segunda-feira, 9 de março de 2009

Tradição, trote e violência.


A TEORIA DA REGRESSÃO

Depois de cinco anos percorrendo o mundo numa nau com o fim de conhecer as diversas espécies de seres vivos, Charles Darwim sentou-se em seu escritório e escreveu “A origem das espécies”. Obra inegavelmente marcante, a tese fundamental era a de que animais da mesma espécie, mas morando em habitat’s diferentes, apresentavam níveis diferentes de desenvolvimento. A esta idéia deram o nome de “Teoria da Evolução”.

Grosso modo, trata-se da afirmação categórica de que uma espécie poderia, através de processos vitais sucessivos, aperfeiçoar-se, com o avanço dos indivíduos mais fortes e com a eliminação natural dos mais fracos. Diga-se de passagem que, durante a sua viagem, passando pelo Rio de Janeiro, Darwim escandalizou-se com o tratamento nada humano dispensado aos escravos.

De início, a teoria evolucionista foi repudiada pela Igreja que pregava ardorosamente a “Teoria Creacionista”, segundo a qual o mundo (com tudo o que ele contém) foi criado por Deus em seis dias, de acordo com o relato bíblico do livro do Gênesis.

Sábia e prudente que é, a Igreja, com o passar do tempo, reviu seu posicionamento e soube conciliar as duas teorias, a partir dos estudos do Pe. Teillhar de Chardin, padre jesuíta francês da segunda metade do século XX. Chardin elaborou a “Teoria da Evolução Cósmica”, dando uma interpretação aceitável ao pensamento de Darwin, segundo a qual a “evolução” física da criação – perfeitamente possível – tende a conduzir o homem ao Cristo Cósmico, quando todas as espécies não evoluirão mais, pois terão chegado ao seu ponto de convergência físico-espiritual. Para entender rapidamente, Chardin referiu-se à evolução de Darwim, mas não sem a presença de Deus que “apertou o botão” desta evolução.

Assim, pacificou-se o conflito entre ciência e fé que, na verdade, nada tem de antagônicas, mas, sim, de auxiliares recíprocas. Leia-se, a respeito, a Carta Encíclica Fides et Ratio (a fé e a razão), de Sua Santidade, o papa João Paulo II, de saudosa memória. Nela, o papa afirma que fé e razão são as duas asas que conduzem o homem ao conhecimento da verdade.

Contudo, quando pensamos que nada mais haveria de se “inventar” ou “descobrir”, eis que surge a “Teoria da Regressão”, baseada nas barbáries que somente a espécie animal racional, ou seja, o homem, é capaz de cometer.

Trata-se da destruição do homem pelo próprio homem, que faz jus ao que dizia o filósofo empirista inglês Thomas Hobbes, a saber, homo lupus homini (o homem é o lobo do homem). Atitudes como abortos, guerras e, no ambiente acadêmico, trotes vândalos e/ou violentos fazem da Teoria da Regressão uma idéia irrefutável e do ser humano um animal inferior aos irracionais.

Interessa-nos, como análise e reflexão, uma abordagem do trote como fato social revestido de caráter positivo (quebrar a timidez dos “calouros”, estimula-los a praticarem atitudes filantrópicas, como doação de sangue, coleta de alimentos e roupas para distribuição entre os pobres, ou de material escolar para doação a estudantes carentes) ou como fato determinante de repúdio de todo o tecido social, por ser portador de caráter negativo (homicídios, lesões e depredações, por exemplo).

Início de período letivo nas faculdades é permeado deste tipo de atitude, por vezes criminosa. No próximo artigo, analisaremos as possíveis conseqüências de tais atos a partir do ponto de vista jurídico.

POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS TROTES VIOLENTOS

Todas as pessoas gozam de dignidade e muitas ações chamadas de “trote” (recepção feita aos novatos de instituições de ensino superior), muitas vezes criminosas, denigrem tão intocável direito. Por força de lei, ninguém pode ser obrigado a fazer o que não quiser, a não ser em virtude da própria lei (cf. Constituição Federal, art. 5º II), nem submetido a tratamento desumano ou degradante (idem III), como acontece nos trotes deste caráter, cujo resultado, por vezes, é a morte de algum novato. Para ilustrar o que afirmamos, como esquecer o caso do estudante paulista de medicina encontrado sem vida no fundo de uma piscina?

No entanto, em muitos outros casos, lesões corporais são o final de uma rejeitável “festinha” de jovens irresponsáveis e inconseqüente, cujo histórico psicológico, dizem os especialistas na área, é o de ausência de limite e disciplina por parte dos pais durante a infância, acobertamento e até aprovação de erros que deveriam ser corrigidos a tempo, insegurança psíquica, falta de amor próprio e ao semelhante indicativo de egoísmo em alto grau, incapacidade para desfrutar os verdadeiros e lícitos prazeres da vida.

Em outras circunstâncias, constata-se a depredação dos bens comuns, como carteiras, mesas, quadros, lâmpadas, etc. Para não falar em humilhação e constrangimento a que são submetidos os novatos em mãos dos veteranos.

Não custa lembrar que o Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão de seis a vinte anos para o homicídio simples (cf. CPB, art. 121) e de doze a trinta anos para o homicídio qualificado (id., art. 121 § 2º), de detenção de três meses a um ano para as lesões corporais de natureza leve, de reclusão de um a oito anos para as lesões corporais de natureza grave e de quatro a doze anos, quando da lesão corporal resulta morte, mesmo quando o agente não quis, nem assumiu o risco de produzir o resultado (id., art. 129 §§ 1º-3º).

Da mesma forma, não é supérfluo trazer à baila o artigo 288 do mesmo diploma legal que prevê pena de reclusão de um a três anos para a associação de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, visando preparar e cometer crimes como os acima enumerados que podem ser o resultado lamentável de um trote violento, de um trote criminoso.

Cadeiras ou mesas destruídas, sujeira (farinha, tinta, ovo) que signifique dano ou depredação podem render até três anos e multa para quem, por motivo egoísta (um trote vândalo é um ato egoísta e selvagem), o comete (CPB, art. 163 § 4º)

Na seara civil, ações reinvidicatórias de indenizações por danos morais e/ou materiais podem ser impetradas por alguém, pessoas ou instituições, que se sinta ofendido pelas ações dos “trotistas” criminosos. Crimes como os aqui elencados não podem, em hipótese alguma, ser realizados por acadêmicos de direito que, mais que ninguém, não podem alegar o fato de desconhecerem a lei (na verdade, ninguém pode).

É lastimável que futuros profissionais de responsabilidade se proponham a ações danosas deste tipo. Trata-se, para mim, uma declaração inconteste de incapacidade mental para a convivência social. Não se trata de um ato simples, mas, como provado, de um ato que pode chegar a conseqüências desastrosas para o agressor e triste para a vítima no campo jurídico, por ser um atentado grave à segurança individual e coletiva e uma afronta às leis, que regulam o comportamento do indivíduo. Socialmente, não deixa de ser a manifestação de uma cultura mirim, plena de fatos que são a mais clara expressão do “não ter o que fazer”. Psicologicamente, significa a auto-acusação de uma infância cheia de eventos traumáticos e que, na juventude, vêm à tona, em forma de sadismo.

Acabemos com isso e denunciemos, quando fatos como estes acontecerem. Assim, não incorreremos na “Teoria da Regressão”, mas contribuiremos para a concretização da Teoria da Evolução em todos os sentidos, inclusive o de estarmos, um dia, todos reunidos no coração de Deus.

Pe. Renato Moreira de Abrantes

Professor no Curso de Teologia

Aluno do 3º semestre do Curso de Direito

Faculdade Católica Rainha do Sertão

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